Como a construção de gênero na infância impacta a saúde mental
- Psicóloga Thais Ramos Mendes

- 20 de jul.
- 3 min de leitura
Atualizado: 4 de set.
Assim que uma gestação é descoberta, expectativas começam a ser criadas — e, muitas vezes, já existiam antes mesmo da concepção. Os desejos iniciais costumam ser sobre saúde, tranquilidade durante a gravidez, e um bebê com um temperamento dócil. Mas há uma pergunta que, quase sempre, vem primeiro: “É menino ou menina?”.
Essa pergunta, aparentemente simples, carrega em si um peso simbólico profundo. A partir da resposta, constrói-se uma série de projeções sobre o futuro daquela criança — quem ela vai ser, como vai agir, do que vai gostar, e até que tipo de afeto ela vai ou não receber.

A construção social do gênero começa cedo. Muito cedo.
Ao observarmos a espécie humana, vemos que temos muito mais características em comum do que diferenças entre indivíduos. Ainda assim, nossas expectativas sociais sobre meninas e meninos são marcadamente distintas — e geralmente dicotômicas.
Meninos são ensinados a serem fortes, viris, práticos, bons com ferramentas e esportes. Já as meninas devem ser gentis, responsáveis, delicadas, expressivas e cuidadoras. Essas expectativas são reforçadas por meio de brinquedos, roupas, cortes de cabelo e regras de comportamento.
Basta observar os presentes oferecidos: carrinhos, armas de brinquedo e videogames de luta para os meninos; bonecas, panelinhas, esmaltes e kits de maquiagem para as meninas. Meninos são repreendidos quando choram ou demonstram sensibilidade. Meninas são ensinadas a “sentar direito”, a não falar alto, a obedecer.
Essas experiências formam o alicerce da identidade de gênero e influenciam diretamente a forma como as crianças se percebem e se relacionam com o mundo.
E quando a criança não cabe nesse molde?
Apesar de algumas famílias buscarem formas menos rígidas de educação, a norma social ainda favorece uma divisão bastante marcada entre os gêneros — e isso tem consequências importantes.
Meninos, educados sob o ideal da virilidade e da dominância, crescem reprimindo emoções e, muitas vezes, reproduzindo comportamentos violentos em relações afetivas.
Meninas, ensinadas desde cedo a se moldar a um padrão idealizado de feminilidade, enfrentam uma autocrítica constante que pode culminar em transtornos alimentares e distúrbios de imagem.
Crianças trans crescem em ambientes que frequentemente negam sua existência, resultando em sofrimento profundo, exclusão social e uma expectativa de vida drasticamente reduzida.
Esses são efeitos diretos de uma sociedade patriarcal, cisnormativa e heteronormativa, que regula nossos corpos e subjetividades desde a infância.
Estereótipos de gênero e sofrimento psíquico: uma relação invisível
É comum que, na vida adulta, as pessoas se sintam inadequadas, “erradas” ou “não o bastante”. Muitas vezes, essa dor se manifesta como depressão, ansiedade, transtornos alimentares, entre outros. Mas o que nem sempre se reconhece é que esse sofrimento tem raízes coletivas e sociais — e não apenas causas individuais.
Ao internalizar essas expectativas, muitas pessoas passam a se cobrar de forma excessiva, julgando-se insuficientes por não corresponder a padrões impostos. Essa autocrítica intensa, alimentada por padrões sociais e culturais, pode se transformar em sofrimento emocional crônico.
Qual o papel da psicoterapia nesses casos?
Um dos nossos maiores compromissos é olhar para essas influências. Questionar o que, em sua trajetória, te fez acreditar que não era suficiente, que precisava se calar, se moldar ou se esconder. É um convite à construção de novas narrativas sobre si, mais autênticas e menos adoecidas.
Na clínica, falamos sobre os atravessamentos sociais que influenciam a subjetividade, trazendo consciência sobre como normas de gênero impactam o bem-estar emocional. Com esse olhar ampliado, é possível romper com padrões que geram sofrimento e investir em formas mais saudáveis de se relacionar consigo mesmo e com o mundo.
Um convite à escuta e à reconstrução
Falar sobre gênero na infância não é um tema apenas “político” ou “cultural”: é uma questão de saúde mental. Quanto mais cedo reconhecermos os impactos da construção de gênero na formação emocional das pessoas, maiores as chances de construirmos uma sociedade mais saudável, diversa e livre de violências normativas.
Se você sente que está lidando com o peso dessas expectativas ou quer refletir sobre como sua história foi moldada por elas, a psicoterapia pode ser um ponto de partida importante para o autocuidado e a transformação. Ao nomear esses atravessamentos, a gente não fragiliza o sujeito — a gente o fortalece. Porque entender que a dor tem contexto é o primeiro passo para deixar de carregá-la sozinha(e)(o).


