Você não é o que você produz: o impacto do produtivismo nas relações afetivas
- Psicóloga Thais Ramos Mendes

- 19 de jul.
- 3 min de leitura
Atualizado: 16 de set.
Vivemos em uma sociedade que valoriza quem faz, quem entrega, quem performa. Somos ensinados desde cedo que o nosso valor está no quanto somos úteis — e essa utilidade está quase sempre atrelada ao trabalho. Ao que é rentável. Ao que pode ser convertido em capital.
Nesse sistema, tudo o que não gera lucro é desvalorizado: o cuidado, o tempo livre, o descanso, os vínculos afetivos, o autoconhecimento. E aos poucos, quase sem perceber, começamos a acreditar que somos apenas aquilo que fazemos. Nos definimos pelo cargo que ocupamos, pela empresa em que trabalhamos, pelo currículo que acumulamos.
Neste artigo, vamos refletir sobre como o sistema produtivista afeta sua saúde mental e suas relações, e como a psicoterapia pode ser um caminho para resgatar sua subjetividade.

Quando o trabalho ocupa tudo: o apagamento da identidade
Em um mundo onde tudo precisa ser útil, até a nossa identidade se transforma em uma performance. Você se apresenta dizendo sua profissão. Seu tempo livre é planejado de acordo com sua agenda de trabalho. Seus vínculos afetivos são colocados em segundo plano, como se fossem “menos importantes”.
Essa lógica faz parecer natural investir dinheiro e energia em produtividade, enquanto investir em si mesma ou nos relacionamentos parece perda de tempo. Com o tempo, isso nos afasta da pergunta mais importante: quem sou eu além do que eu faço?
Relações cada vez mais frágeis: o efeito do produtivismo nos afetos
A sociedade atual nos incentiva a sermos independentes, eficientes, fortes. Mas não nos ensina a nos relacionar com profundidade. O resultado é uma geração marcada por relações líquidas, frágeis e instáveis.
Aplicativos de relacionamento, por exemplo, oferecem uma ilusão de conexão. Mas o que muitas vezes se forma ali é um catálogo de pessoas, e não um vínculo real.
Vivemos um paradoxo: estamos hiperconectados e profundamente solitários.
Por que exigimos tanto esforço no trabalho, mas não no amor?
É curioso como aceitamos que trabalho exige sacrifício, estudo e resiliência. Mas quando falamos de relacionamentos afetivos, esperamos que tudo seja leve, intuitivo e simples.
A verdade é que relacionamentos saudáveis também exigem esforço: escuta, vulnerabilidade, tempo, exposição real. Relacionar-se é um trabalho — mas não para o outro. É um trabalho voltado para dentro: entender seus limites, reconhecer suas inseguranças, comunicar suas necessidades.
Trabalhar para si, não para os outros
Se queremos encontrar alguém que nos entenda, que respeite nossos limites e caminhe ao nosso lado de forma genuína, precisamos começar por nós. Isso envolve se arriscar, marcar encontros, dividir medos, admitir inseguranças.
É o oposto do que a sociedade atual nos ensina. Ela nos empurra para a performance, para a imagem perfeita, para a armadura. Mas vínculos verdadeiros só nascem quando abrimos espaço para sermos quem realmente somos — com tudo o que isso envolve.
Se você não sabe o que quer ou o que não aceita, como vai reconhecer um vínculo que te faz bem?
Psicoterapia: um espaço para reconexão
A psicoterapia é um espaço seguro para reconstruir sua identidade para além da performance. Um lugar onde você pode investigar o que sente, questionar suas repetições, reconhecer suas feridas e ressignificar seus afetos.
Ela não é sobre ser mais produtiva — é sobre ser mais inteira. Em um mundo que exige que você produza o tempo todo, a pausa para se escutar é um ato de resistência.
Se você sente que tem vivido no automático, que se perdeu de si no meio das exigências e da solidão disfarçada de independência, talvez seja hora de começar esse processo.
Você não precisa dar conta de tudo sozinha.
Você só precisa começar por você.


